Jean-Claude Cara e o garimpo de preciosidades na Borgonha!
Beaune, Borgonha / França - A noite cai e, a cada passo nas ruas de Beaune, penso nas milhares de garrafas que repousam embaixo dos meus pés. Para quem não sabe, a capital dos vinhos de Borgonha tem inúmeras caves subterrâneas que guardam segredos há milhares de anos.
O famoso prédio do Hotel de Dieu, antigo hospital da região, em Beaune
Desço as escadas da cave. A pequena entrada não dá a dimensão do tamanho da surpresa que encontro pela frente, ou melhor, lá embaixo. Estou em uma adega particular, meticulosamente escolhida para uma degustação de vinhos raros a convite de um dos maiores conhecedores de vinhos raros da Borgonha. Se, no século XVIII Beaune se tornou o centro do comércio dos vinhos da região, no século XXI é o lugar perfeito para iniciar o caminho para grandes descobertas da Borgonha.
Jean Claude Cara(E) abre garrafa rara observado por Renato Duarte(D), de Natal, RN
“Só tenho aqui garrafas com no mínimo 20 anos. São vinhos escolhidos um a um, produzidos por métodos ancestrais, sem adição de nenhum tipo de química”, explica Jean-Claude Cara, especialista em vinhos de guarda e autor do livro Vinhos da Borgonha. Entre uma explicação e outra, ele nos mostra um Vosne-Romanée de 1926 e um Vouvray cujas marcas do tempo estão visíveis no rótulo. Reluto em segurar as garrafas com minhas próprias mãos. Se escorregar e cair, o prejuízo é bem maior que simplesmente dinheiro.
Jornalista Adriana Reis, Cara, Renato Duarte, Ricardo Abreu, Cristiane Abreu e Mariana Amaral, de Natal, RN, durante degustação
Na pequena cave, quatro casais observam as garrafas ao redor, enquanto degustam três vinhos. O primeiro é uma brincadeira séria de Jean-Claude: um tinto da Alsácia elaborado com a uva pinot noir. Pinot noir? Mas o que a uva emblemática da Borgonha está fazendo numa garrafa de uma região tipicamente de uvas de clima mais frio, na fronteira com a Alemanha? A resposta é rápida e surpreendente! Em 1983, a Alsácia teve um veranico, ou seja, uma onda de calor inesperada durante o inverno. Na França, o veranico tem o prosaico nome de "canicule". Na mesma época a Borgonha enfrentava temperaturas acima da média. O resultado, segundo ele, é que a Alsácia produziu vinhos de qualidade e a Borgonha teve um ano com vinhos de qualidade inferior. Raro, porém possível. O segundo vinho, um tinto da maison E. Guigal da década de 80, também pinot noir, abre o paladar para o jantar que se aproxima. Um excelente Borgonha típico de estalar os beiços.
"Brasileiro toma marca, não vinho" desafia Cará, o garimpeiro de preciosidades
Para encerrar, outra brincadeira do mestre de vinhos da Borgonha: "Que vinho é este? pergunta ele. Eu arrisco um Montrachet? O outro casal palpita: um Pouilly-Fuissé! Os "chutes" comprovam que cada pedacinho de terra desta região tem potencial para a produção de vinhos totalmente distintos. “Na hora de escolher, nem sempre só a marca é sinônimo de um grande vinho. A procedência e o método de fabricação são fatores importantes”, explica Cara. E complementa: "este vinho que vocês tomaram é um Borgogne Aligoté, de 1997, um vinho simples e que não chega a custar dez euros!
Adega milenar: preciosidades garimpadas ao longo dos anos
Apaixonado pelos vinhos fabricados com métodos ancestrais, ele mostra, na prática e com humor ironicamente refinado,va diferença entre os vinhos de guarda e os chamados tecnológicos. Boa essa brincadeira! Gostei! "Revela, completa Cara, que grande parte dos apreciadores de vinho, em todo o mundo, compra e bebe "marca" e nem sempre qualidade". Essas são apenas algumas das milhares de histórias guardadas nesta cave milenar. De volta do mergulho no mundo dos vinhos, volto ao mundo real, às ruas de Beaune.
Vinhos raros e únicos mas nem por isso extremamente caros
A cidade se revela mágica dentro das antigas muralhas, cujas marcas ainda são visíveis! Uma pequena cidade com apenas 20 mil habitantes que se mostra viva, emocionante, atual, autêntica, cheia de lojinhas adoráveis, delicadas confeitarias, museus e muita, muita história. E se vinho anda de mãos dadas com boa comida, essa parceria se materializa em perfeita harmonia na Borgonha. E para encerrar, outra brincadeira.
Renato Duarte(D), de Natal, RN: feliz por encontrar e "levar" preciosidades para o Brasil
Se você tivesse que escolher apenas uma entre 200 milhões de garrafas de vinho produzidas por ano na Borgonha, qual seria? A vantagem de viajar para esta região é que não precisará escolher entre uma garrafa e outra e sim dividir os dias de sua estadia entre os vinhos que quer provar, os passeios que quer fazer, os restaurantes que sonha conhecer.
Confraternização de turistas brasileiros ao final da degustação: com vinho local, claro!
E se não der tempo de fazer tudo isso? Simples, volte mais e mais para a Borgonha, uma das regiões mais famosas da França e uma das menos conhecidas pelos brasileiros. Não está na hora de você conhecer algo novo na França além de Paris?
Jornalistas Paulo Panayotis e Adriana Reis
© Fotos: Paulo Panayotis e Adriana Reis
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